Ontem, hoje e amanhã no ambiente financeiro nacional

Ontem, hoje e amanhã no ambiente financeiro nacional

por Marco Goulart

 

Recentemente publiquei um post sobre a difícil realidade de nosso país em relação a alfabetização financeira.

Como chegamos na situação de analfabetismo financeiro? Porque insistimos em adotar um comportamento contrário a geração de riqueza? Existem muitas explicações possíveis, é difícil esgotar essa discussão. Quero somente lhe oferecer um panorama de onde viemos, onde estamos, e para onde estamos indo.

A trajetória econômica passada de nosso país é de grande instabilidade, principalmente na referência que temos do dinheiro. Minha geração (década de 80) não deve ter muitas recordações dos movimentos de hiperinflação. Mas as gerações das décadas de 70 e anteriores tem tudo muito bem guardado na memória: corridas ao supermercado e posto de combustível, confisco da poupança bancária, aplicações na taxa overnight, instabilidade.

Hiperinflação é a perda significativa do poder de compra. Gosto de um exemplo que ocorre em minha cidade (Florianópolis). Em alguns sinais de rua da cidade pessoas vendem diversas mercadorias. Uma mercadoria em especial chama minha atenção: os panos de prato. Geralmente o vendedor escreve um valor (ex: R$10) e abaixo do valor uma quantidade de panos de prato que ele está vendendo por aquele valor. É a inflação dos panos de prato. Acho curioso notar as variações na quantidade de panos de prato. Às vezes, de um mês para outro, a quantidade que você consegue comprar muda de 5 para 3 panos. Isso significa que o preço de cada pano variou de R$2 para R$3,33, uma variação de 66%! É mais ou menos isso que a geração de 1970 e anteriores passou. Pior, em alguns momentos essas variações ocorriam em um mesmo dia!

Isso significa que por muito tempo o brasileiro perdeu a referência do poder de compra do dinheiro, perdeu o interesse de observar as variações neste poder de compra, e esteve impossibilitado de lidar com situações que envolvem planejamento, crédito, e formação de poupança: se você tinha dinheiro então o melhor a fazer era comprar tudo o que podia, e comprar à vista porque não existia crédito. A esperança de segurança financeira era a aposentadoria do governo.

De certa forma esta mentalidade perdura até hoje, é transmitida de geração para geração. Frases como “quem compra terra não erra” ou “terra só é ruim pra quem come” dão uma ideia do que se pensava sobre investimentos naquela época. Quando crianças aprendemos nos jogos de tabuleiro que o bom é comprar terrenos e alugar casas, que investimento é um banco imobiliário. Infelizmente para muitas crianças isso foi o mais perto que receberam de educação financeira.

Sem ação não há reação, no caso do analfabetismo financeiro passamos essas décadas com pouquíssimas ações. Ainda hoje a ação mais importante que poderia ser feita é muito incipiente: promover educação financeira para toda a sociedade, principalmente crianças.  Até 2010 nosso país não tinha uma política nacional de educação financeira.

Após assinar um termo de compromisso com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2010, através do Decreto 7.397, o Brasil criou a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), da qual participam diversas instituições de todos os setores da sociedade. A finalidade desta política de Estado é: (a) fortalecer a cidadania; (b) aumentar a eficiência e solidez do sistema financeiro; (c) promover a tomada de decisões financeiras conscientes e autônomas; (d) disseminar a educação financeira e previdenciária.

Em 2013 foram registradas 813 iniciativas de educação financeira, como cursos, palestras, entre outros. As iniciativas são gratuitas e qualquer cidadão pode colaborar com a execução. O Banco Central, em parceria com outras instituições, oferece ótimo material sobre o assunto. Procure saber se existem iniciativas deste tipo na sua cidade! Participe! Converse com seus amigos sobre o assunto.

No ensino médio e fundamental foram implantados projetos piloto, inicialmente em 891 escolas do ensino médio, e a partir de 2015 também em escolas do ensino fundamental. Foram criados materiais didáticos e princípios pedagógicos específicos sobre finanças pessoais para crianças. A escola de seu filho já tem aulas de “finanças pessoais”? Procure se informar e faça essa demanda aos responsáveis pela gestão da escola. Compartilhe essa informação.

Todas essas iniciativas são um alento para a tristeza causada pelas estatísticas que apresentei no outro artigo. Todos nós podemos contribuir de alguma forma. Você pode contribuir na sua casa, dando um bom exemplo.

E para onde estamos indo? Temos algumas pistas… Com a relativa estabilização da moeda muita coisa mudou desde 1994. O mercado financeiro cresceu e se tornou mais dinâmico. No entanto, ainda hoje, boa parte do que produzimos passa por quatro grandes instituições financeiras. Como nação, optamos por um modelo de sistema financeiro concentrado onde poucas instituições oferecem muitos produtos e serviços que elas mesmas desenvolvem e administram.

Este cenário está mudando, e deve mudar ainda mais nos próximos 10 e 20 anos, novas instituições financeiras devem surgir e ganhar maior relevância. Instituições especializadas em segmentos como crédito, seguros, investimentos. É o processo conhecido como “desbancarização”, que já começou.

Os grandes bancos não vão deixar de existir, mas vão passar por transformações significativas. A evolução do uso do banco na internet (homebanking), alterações nos modelos de agências, e maior segmentação de atendimento já são indícios disso.

O uso de tecnologias será um grande desafio para as instituições tradicionais e para nós consumidores. Aumentam cada vez mais as opções de aplicativos financeiros: para comparar preços, encontrar promoções e descontos, investir, tomar dinheiro emprestado.

E talvez a maior mudança tecnológica será a diminuição do uso do dinheiro físico. Este processo ganhou velocidade a partir de 1950, nos Estados Unidos, com a emissão das primeiras versões de cartões como os que conhecemos hoje. Atualmente já está disponível no mercado a tecnologia de pagamentos por chip, que pode ser acoplado em qualquer dispositivo e até implantado em nosso corpo (sim… isso também me assusta). Isso tem um impacto significativo na forma como “entendemos” o dinheiro.

Embora as mudanças tecnológicas sejam vendidas como “facilitadoras”, a verdade é que também carregam grandes dificuldades. Que o digam as pessoas que ainda hoje tentam se adaptar ao uso do computador. Esta é uma realidade que teremos de encarar: maior complexidade nos meios e produtos financeiros, maior velocidade nas mudanças. Este é um cenário especialmente preocupante para pessoas de maior idade, que são mais suscetíveis a cair em golpes e fraudes financeiras.  Diversos órgãos internacionais têm alertado para esta situação e a necessidade de mais educação financeira.

Há também o lado positivo das mudanças: maior competitividade, transparência e autonomia ao usuário do sistema financeiro. Acredito que o principal fator de mudança será nossa atitude como consumidores. Enquanto basearmos nossa decisão por usar serviços de uma instituição financeira nos comerciais de TV e no tamanho dos pilares de granito das agências dificilmente veremos uma evolução para melhor.

Nos últimos anos o consumidor de produtos financeiros no Brasil foi “forçado” a mudar. Seja pela redução de taxas de juros e a busca por outras alternativas de investimentos, ou pelo afogamento em dívidas e a necessidade de alternativas para renegociação de dívidas.

Precisamos estar mais atentos aos nossos direitos como consumidores de produtos financeiros, procurar entender a relação de interesses que existem no nosso relacionamento “consumidor e instituição financeira”. Se estamos com um problema de saúde consultamos um médico, e procuramos aquele que é especialista no assunto e que realmente pode resolver nosso problema. Porque não fazemos o mesmo com assuntos financeiros? Se estamos insatisfeitos, porque não exigimos mudança ou mudamos de instituição?

 

10 respostas

  1. Estou gostando muito do seu trabalho professor. Uma aprendizagem muito grande que disponibilizou. Compartilhei esse texto no meu facebok, já que sugeriu que fosse compartilhado, para que as pessoas se interessem também por esse tema tão importante para nossas vidas.

  2. Parabéns pelo artigo. A desbancarização já é fato e sempre me questiono a quem os grandes bancos de varejo, púbico ou privados, servem. A economia brasileira fica rendida a poucos atores, mas a vindoura competição de fintechs, bancos virtuais só tendem a promover uma seleção natural nisso. Falta ainda ao brasileiro uma noção de especulação em bolsa, que é muito incipiente ainda.Abs

    1. Olá Fernando,
      Obrigado pela visita! É isso ai, nos próximos anos teremos mudanças significativas em diversos ramos do mercado financeiro.
      Sobre esse ponto que mencionou de investimentos, considero o eqseed com uma plataforma disruptiva. Através do portal deles é possível investir em startups em poucos cliques.
      Há que se pesar a necessidade de maiores estudos e informações para investimentos em empresas nascentes, mas é uma grande mudança.

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