O meu gerente me enganou

O meu gerente me enganou

por Marco Goulart

 

Como profissional da área financeira ouço bastante esta frase. Penso que há aquele que “engana”, mas que o “engano” é muito auxiliado quando há a vontade de ser enganado.

Querido leitor e leitora, não quero lhe desrespeitar, mas se você já disse essa frase, pense bem se você não está no grupo dos que “aceitam” ser “enganados”.

É certo que não podemos defender práticas abusivas e procedimentos incorretos, mas dizer que o gerente de banco está lá para nos “enganar” é uma falácia. Eles estão lá para fazer o trabalho deles! Existem os que fazem um bom trabalho e os que não fazem, como em qualquer profissão.

Precisamos ter o hábito de procurar entender a relação de interesses. Quando vou ao médico, por exemplo, e ele recomenda um medicamento, aceito a recomendação como certa. Mas é possível que o médico esteja recomendando um medicamento porque ele ganhou amostras da companhia farmacêutica, ou porque vai receber algum tipo de benefício por recomendar aquele medicamento.

Tenho o direito de receber informações com transparência, e certamente um bom médico, atuando nos melhores interesses do paciente, não se importaria em esclarecer um assunto como este. O fato de o médico receber prêmios da companhia farmacêutica não significa necessariamente que ele está me enganando. Você tem liberdade para perguntar aquela pessoa que lhe prestou serviços, como ela está ganhando com isso?

Essas práticas existem em muitas profissões, e com os produtos financeiros não é diferente. Você sabe como sua instituição financeira está ganhando? Você sabe quais são os incentivos do seu gerente? Se o gerente de uma instituição financeira é obrigado a oferecer somente os produtos da instituição onde trabalha (mesmo que não sejam os melhores) então são esses produtos que ele vai oferecer. E a responsabilidade por aceitar ou não é totalmente nossa. Não podemos culpar o gerente pelas decisões que tomamos.

Se nós não entendemos o contrato e não nos preocupamos em ler foi uma opção que fizemos (não estou me referindo a situações em que gerentes mal informados prestam informações incorretas sobre contratos e produtos). Se a instituição financeira estipula metas para seus funcionários, que incluem a venda de produtos ruins, e nós continuamos comprando esses produtos e sendo clientes destas instituições, porque deveríamos esperar uma mudança? Não podemos exigir mudanças se nós mesmos não mudamos.

Questione mais o seu gerente e o responsável por sua agência: “Ei… porque você está me oferecendo títulos de capitalização?”; “Porque você está me cobrando tanto de taxa de manutenção de conta? Existe uma opção mais barata?”; “Porque as taxas desse fundo são mais altas que as desses outros fundos de outras instituições?”.

Não caia na armadilha do relacionamento: “você tem um relacionamento de anos com essa instituição, com muitas vantagens…”. Se somos bons pagadores, bons clientes, todas as instituições financeiras vão querer nos servir. Atualmente a maior parte dos produtos financeiros podem ser migrados, assim como no caso do plano de saúde. Contratos de financiamento e planos de previdência permitem a portabilidade entre instituições. Existe ainda a alternativa das cooperativas, que em muitos casos oferecem os mesmos produtos dos bancos, com custos mais atrativos. Pesquise e, se necessário, mude!

Existem algumas instituições muito importantes que devemos conhecer: Banco Central do Brasil (BC); Comissão de Valores Mobiliários (CVM); Superintendência de Seguros Privados (SUSEP); dentre outras.

Essas instituições são responsáveis pela fiscalização e supervisão dos prestados de serviços e produtos financeiros. Todas elas possuem canais de atendimento onde o cliente pode registrar sua dúvida ou reclamação, recebendo da instituição reclamada uma resposta.

Vou dar um exemplo pessoal: minha esposa e eu sentamos periodicamente para conferir nossas contas e conversar sobre nosso planejamento financeiro. Em uma dessas conversas percebemos que a instituição financeira estava cobrando um certo valor por mês para manutenção de conta. A Resolução 3.919, de 25 de novembro de 2010, do Banco Central instituiu um pacote mínimo de serviços (extratos, saques, etc.) que não é tarifado. Você pode pesquisar mais sobre os serviços deste pacote no site do Banco Central.

Minha esposa foi até a agência bancária e solicitou a mudança para o “pacote mínimo, sem tarifas”. A gerente informou que não existe pacote de serviços sem tarifas. Então minha esposa fez alguns questionamentos e a situação acabou ficando como estava. Na prática, se você cancela o seu pacote de serviços do banco, você está automaticamente dentro deste “pacote mínimo”. Então a gerente não prestou uma informação totalmente incorreta, mas de acordo com a conversa que tiveram acredito que a gerente ou estava mal informada ou se isentou de oferecer a informação mais correta.

Registramos no mesmo dia uma reclamação no site do Banco Central e no dia seguinte recebemos uma ligação da agência, prestando a informação correta. Depois verificamos que essa alteração podia ser feita pela internet, sem necessidade de ir até a agência ou caixa eletrônico, e foi o que fizemos. O procedimento pela internet é simples e fácil de ser executado, mas no caso desta instituição financeira a informação não estava clara. Ao selecionar a opção para cancelar o pacote de serviços, o sistema indicava que a partir do cancelamento o cliente ficaria sujeito ao que determina a Resolução 3.919 do Banco Central. Mas não esclarecia quais os serviços que o cliente poderia continuar usufruindo gratuitamente.

Atualmente existem diversas instituições digitais que sequer cobram tarifas. Precisamos exercer nossa cidadania financeira, adquirir conhecimento, buscar informações e nossos direitos. Somente assim veremos uma real mudança para melhor na forma como as instituições se relacionam com seus clientes.

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