Por dentro do dinheiro

Por dentro do dinheiro

por Marco Goulart

Já conversamos sobre nossa situação de alfabetização financeira, as tendências do sistema financeiro de nosso país, e nossas atitudes para com este sistema. Neste texto gostaria de mergulhar no que há “por dentro do dinheiro”. Acredito que isso poderá favorecer em muito nossas boas atitudes em relação ao dinheiro e como lidamos com o sistema financeiro.

Escrever sobre dinheiro em poucos parágrafos é como querer resumir a enciclopédia. O dinheiro faz parte do nosso dia a dia desde os primórdios das civilizações. A forma como usamos o dinheiro sofreu mudanças, mas o que está por trás ou “por dentro” não muda, e não vai mudar. Para tratar deste assunto vou dividir o tema em três partes: o dinheiro (este texto); o crédito e o consumo (que vou postar mais adiante).

O uso do dinheiro é muito antigo, existem registros que datam desde muito antes de Cristo. Mais próximo da época de Cristo era comum o uso de moedas. Foi através de uma moeda que os religiosos da época tentaram acusar Jesus Cristo. Esses religiosos, conhecidos na época como fariseus, se aproximaram de Jesus cheios de “segundas intenções”:

[…] retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o surpreenderiam nalguma palavra; E enviaram-lhe os seus discípulos, com os herodianos, dizendo: Mestre, bem sabemos que és verdadeiro, e ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, e de ninguém se te dá, porque não olhas a aparência dos homens.

Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não?

Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas?

Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um dinheiro.

E ele diz-lhes: De quem é esta efígie e esta inscrição?

Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.

E eles, ouvindo isto, maravilharam-se, e, deixando-o, se retiraram.

(Mateus 22:15-22)

Esta pergunta mal-intencionada dos fariseus tinha um propósito. O povo estava sob domínio dos romanos e pagava elevados tributos. As revoltas e manifestações contra os romanos eram constantes naquela época. Se Jesus dissesse que os tributos deveriam ser pagos, muitos dos que o seguiam protestariam. Por outro lado, se Jesus dissesse que não era preciso pagar tributos, estaria agindo contra o império romano, e certamente seria punido por isso.

A resposta que Jesus Cristo deu aos fariseus mostra que ele não veio para tratar somente de assuntos de “dinheiro”, mas principalmente de assuntos de Espírito, e todos nós sabemos o que aconteceu. A passagem também deixa claro que desde aquela época o dinheiro era um assunto delicado, e que representava algo (naquele caso o que é do imperador de Roma).

Moedas são algo que utilizamos ainda hoje, atualmente são cunhadas com metais de baixo valor e recebem uma inscrição com um número, o rosto de algum personagem historicamente importante, um animal, uma bandeira, etc.

Antes das moedas, existiam outras formas de se representar o dinheiro. Se você pesquisar na internet vai verificar que pedaços de conchas, pedaços de barro, e outras coisas mais inusitadas, também já foram dinheiro.

Em um pedaço de barro, por exemplo, poderia ser escrito algo do tipo: Você me deu hoje 10 sacos de arroz, e por isso daqui a 3 meses quando a minha colheita for realizada eu vou pagar para você 10 sacos de trigo. Esta forma mais rudimentar de dinheiro representava um contrato de troca de mercadorias. Se você estivesse na posse deste pedaço de barro então você teria direito de receber os 10 sacos de trigo, e eu teria uma dívida com você. Se você entregasse o pedaço de barro para outra pessoa (trocando por qualquer coisa), então minha dívida passaria a ser com esta outra pessoa.

Em outras palavras, você teria um crédito, e eu faria uma promessa. A propósito, a palavra “crédito” tem origem no latim e também está relacionada com as palavras “acreditar”, “crer”. Mas sobre isso vou escrever no próximo texto.

Este registro em barro representava uma facilidade para a troca de mercadorias. Eu poderia antecipar meu consumo de arroz e você poderia trocar esse registro com qualquer outra pessoa por qualquer outro produto. Então este pedaço de barro era, na verdade, um intermediário para a troca. Representava uma medida de valor, quer dizer, você sabia pelo que poderia trocá-lo e era algo útil para você.

Também era uma reserva de valor, pois você não precisava ter os 10 sacos de trigo guardados com você, mantendo-os estocados. Você tinha o direito de trocar aquele pedaço de barro, a qualquer momento, com alguém que tivesse o trigo disponível e aceitasse receber os 10 sacos dali a três meses. Possivelmente, nesta troca, você teria de abrir mão de uma certa quantidade de trigo, afinal de contas você estaria consumindo o trigo hoje, mas o detentor do pedaço de barro só poderia obter este trigo ao final de três meses, quando haveria condições de fornecer o trigo da colheita.  Ainda hoje estas são as três principais características do dinheiro: (1) intermediário de trocas; (2) medida de valor; (3) reserva de valor.

Este sistema rudimentar de conchas e pedaços de barro evoluiu, de forma que hoje temos moedas e notas que possuem as mesmas características, mas que não são conversíveis em um único produto ou serviço, nem mesmo em ouro. Este valor ou utilidade do dinheiro é dado pela própria sociedade, as pessoas que realizam as trocas, e há um banco central que zela por esse sistema de trocas, ou seja, pelo valor que o dinheiro possui, sua capacidade de troca.

Este assunto é muito interessante, mas não vamos nos aprofundar nele aqui. Por enquanto o que gostaria de destacar é o que está por trás deste sistema, que são pessoas fazendo trocas. Mantenha isso em mente, vou contar uma breve história e já voltamos para esta linha de pensamento.

Você já ouviu falar em um sujeito chamado John D. Rockefeller? Este cidadão norte americano viveu de 1839 até 1937. Em 1870, fundou a Standard Oil Company, que se tornou a primeira grande empresa de petróleo da América. Ao final de sua vida, estima-se que sua fortuna era de aproximadamente 2% de toda a riqueza (medida pelo Produto Interno Bruto) dos Estados Unidos. Convertendo para valores de hoje significaria dizer que sua fortuna era de cerca de US$350 bilhões. Esses números são tão grandes que é difícil ter uma noção do que representam. Podemos comparar com a fortuna de Bill Gates (criador da Microsoft), que é de US$ 75 bilhões. De acordo com a revista Forbes, Bill Gates possui a maior fortuna do mundo atualmente. Logo, em suposição, a fortuna de Rockfeller seria mais de 4,5x (350 divididos por 75) a de Bill Gates. Rockfeller foi o indivíduo com a maior fortuna de nossa história recente.

Uau! Esse sujeito foi realmente rico financeiramente, mas o que isso tem a ver com o assunto do dinheiro? Bem… entre muitas frases atribuídas a Rockfeller está uma que considero particularmente interessante, segue minha tradução da frase:

Não conheço nada mais desprezível do que um homem que dedica todas as horas do dia em ganhar dinheiro por ganhar dinheiro” (John D. Rockfeller)

Sempre que leio essa frase fico pensando no contrassenso que ela parece possuir. Como esse sujeito falou uma coisa dessas? Parece que ele entendeu algo que poucos entendem, ou que ele realmente não sabia o que estava falando.

Voltando ao pedaço de barro (aquele que diz que fiquei devendo 10 sacos de trigo para você) podemos fazer uma relação e entender este pensamento de Rockfeller. Para facilitar vamos substituir os pedaços de barro por moedas. Se você possuir 1 ou 10 moedas tudo o que você tem é um direito de receber algo de alguém. Mas se esse alguém não honrar seu compromisso você não vai receber nada.

O que está por trás ou por dentro do dinheiro é o compromisso e o tempo de alguém, ou os recursos de que dispomos na natureza, as trocas que realizamos ou nos comprometemos a realizar; o dinheiro é uma convenção social que o homem criou. Dinheiro em si mesmo não significa nada, ele só tem significado quando há um conjunto de pessoas com as quais nos relacionamos.

Benjamin Franklin, um outro sujeito que você já deve ter ouvido falar disse o seguinte (tradução minha):

“Toda a vantagem que se têm em possuir o dinheiro está em usar o dinheiro” (Benjamin Franklin)

Ao possuir mais dinheiro ou mais moedas estamos, indiretamente e de acordo com a convenção social em que vivemos, detendo a decisão sobre o uso do tempo e dos recursos disponíveis. Com mais dinheiro temos muito mais responsabilidades. Isso é o oposto do que muitas pessoas acreditam: “quanto mais dinheiro mais liberdade eu tenho, vou fazer o que quiser”. Não! São mais responsabilidades! A vantagem que existe em ter o dinheiro é usar o dinheiro com sabedoria. Não há sabedoria em acumular dinheiro simplesmente por acumular, ou para depositar nossas esperanças e propósitos nisso.

O dinheiro também não traz mais tempo para nossas vidas, mas temos o hábito de fazer uma grande confusão sobre isso. Achamos que se tivermos mais dinheiro, o que significa que temos mais responsabilidades sobre as pessoas e recursos, isso significa termos mais tempo.

Esta é uma grande ilusão. Todos nós recebemos a mesma quantidade de tempo e vida. Por mais que nos esforcemos não podemos acrescentar um segundo a nossa vida, na verdade não temos o menor controle sobre isso, não sabemos o dia de amanhã. Eventualmente nos deparamos com tragédias terríveis que nos fazem lembrar desta realidade. Por mais que tenhamos, através do dinheiro, o direito de usufruir de serviços e produtos de pessoas, isso não lhe acrescenta mais tempo.

É evidente que não podemos desprezar este tempo e vida que recebemos, caindo na ilusão de que usar todo nosso tempo exclusivamente para acumular dinheiro é o propósito da vida. Como Rockfeller falou essa é uma atitude desprezível, não porque somos pessoas desprezíveis, mas porque estamos desprezando a maravilhosa vida que recebemos.

Querido leitor e leitora, se você não possui muito dinheiro, isto em si não é um problema, você continua com muitas responsabilidades. Se você possui muito dinheiro, então você tem muitas responsabilidades, mas isso, em si, não é um problema. Acredito que Deus não nos mede pela quantidade de dinheiro que possuímos, e devemos fazer o mesmo. Minha esperança é que nosso propósito seja bom e agradável a Deus. Como Jesus Cristo sugeriu, vamos deixar para o mundo as coisas que são do mundo, e os propósitos de nosso coração para Deus.

O dinheiro em si não é algo bom ou ruim, os nossos propósitos e intenções é que podem ser, não foi por menos que o apóstolo Paulo escreveu: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”. Ele não disse que o dinheiro ou o planejamento são ruins. Mas se amarmos mais ao dinheiro do que a Deus e as nossas famílias, teremos consequências para nossas vidas.

Não podemos menosprezar ou ignorar a importância do planejamento, da prudência no uso dos recursos, da esperança no que está por vir, mas precisamos colocar tudo isso no seu devido lugar.

Ouço muitas pessoas dizerem coisas como: “eu não me importo com dinheiro”; “sou desapegado”; “sou uma pessoa tranquila, quando quero algo eu compro, não fico me preocupando…”. Muitos consideram que esta é uma postura adequada e boa em relação ao dinheiro, é uma atitude despojada e desejável. Se você está neste grupo, permita-me discordar de você. Se você usa dinheiro no seu dia a dia, então você precisa se importar com isso! É o seu tempo, seu convívio com as pessoas que você tem carinho. Falar coisas desse tipo seria como você dirigir um carro e dizer que não se importa muito em parar no sinal vermelho, parar na faixa de pedestres, ultrapassar quando não é permitido, respeitar o limite de velocidade. Uma hora um acidente grave vai acontecer! E você pode envolver muitas pessoas nisso.

O uso do dinheiro pode trazer vantagens: podemos nos preparar para um período de “vacas magras”; podemos guardar recursos e investir na educação dos filhos; podemos presentear uma pessoa por quem temos carinho.

Terminamos aqui este assunto do que há dentro do dinheiro, e seguimos para os próximos dois textos sobre crédito e consumo.

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