Questionando a perspectiva

Questionando a perspectiva, por Marco Goulart


Um dos grandes objetivos do investidor ao analisar informações é compreender qual a perspectiva futura para um determinado negócio. Todos os dias surgem analistas destacando qual será a perspectiva para o desempenho da bolsa no próximo ano ou até mesmo no próximo mês.

Nosso objetivo é discorrer sobre a forma como lidamos com estas previsões. Por que estas informações exercem influência tão significativa em nossas mentes? Por que repetidamente acreditamos nestas previsões?

Daniel Kahneman e Amos Tversky[1] são psicólogos que buscaram explicações para estas questões, principalmente através do questionamento da racionalidade do ser humano.

Considere estes exemplos propostos pelos dois psicólogos:

Imagine duas urnas que contenham um conjunto de bolas coloridas. As duas urnas contêm dois terços de bolas de uma cor, e um terço de outra cor. Uma pessoa vendada tira 10 bolas da primeira urna, 8 são brancas e 2 são vermelhas. Uma segunda pessoa, também vendada, retira 40 bolas da segunda urna. 24 são vermelhas e 16 são brancas. Agora você é vendado e deve tirar apenas uma bola de uma das urnas, se você acertar a cor da bola que irá retirar ganha R$ 100. Você apostaria em retirar uma bola branca da primeira urna ou uma bola vermelha da segunda urna?

Kahneman e Tversky descobriram que a maioria das pessoas aposta em tirar a bola branca da primeira urna. Já que 80% das bolas retiradas desta urna são brancas este pensamento faz algum sentido, e considerando que somente 60% das bolas retiradas da segunda urna são vermelhas esta resposta é evidente! Porém o que as pessoas não percebem é que a amostra de bolas da segunda urna é quatro vezes maior do que a primeira (são 40 bolas retiradas contra 10). O tamanho da amostra é fundamental para qualquer inferência.

Imagine se um novo medicamento fosse lançado no mercado após um teste com 100% de sucesso em 10 pessoas. Você iria preferir utilizar este medicamento ou um similar que obteve 90% de sucesso em 10 mil pessoas? O que Kahneman e Tversky descobriram é que apesar de as pessoas saberem desta diferença, elas frequentemente são distraídas por amostras pequenas, e acabam cometendo este erro.

Agora imagine outra situação onde nós estamos jogando cara e coroa com uma moeda. Você joga a moeda 4 vezes e obtém a seguinte sequência: Cara; Coroa; Cara; Coroa. Um resultado perfeitamente compreensível considerando a aleatoriedade do jogo. Em seguida eu jogo a moeda e obtenho a seguinte sequência: Cara; Cara; Cara; Cara. Um jogo só de caras! Genial! Sou um ótimo jogador! No entanto a verdade não é esta, em quatro rodadas de cara e coroa as probabilidades de obter a sua ou a minha sequência são as mesmas (6,25%). Podemos facilmente nos enganar com probabilidades, apesar dos eventos serem independentes consideramos o conjunto das jogadas e por isso nos surpreendemos.

Através destes dois exemplos percebe-se que a capacidade humana de prever algo pode ser influenciada pela forma como o problema é apresentado, e que mesmo quando sabemos qual a coisa certa a fazer é possível que tomemos uma decisão pouco racional. De acordo com Kahneman e Tversky nós cometemos estes erros porque nossos cérebros utilizam “atalhos mentais” para processar as informações que absorvemos em nosso dia-a-dia. Estes atalhos são essenciais para que tomemos decisões triviais sem sobrecarregar nosso cérebro.

Somos capazes de identificar padrões rapidamente, agir com base nestes padrões identificados, e tudo isso sem sobrecarregar áreas responsáveis pelo processamento de informações complexas. (Ex: sinal vermelho no trânsito)

Outro exemplo de como esta busca por padrões pode ser prejudicial foi dado por psicólogos da Dartmouth College.  Os pesquisadores aplicaram uma série de experimentos onde pessoas deveriam tentar descobrir qual de dois eventos iria ocorrer (por exemplo: luzes verdes ou vermelhas piscam aleatoriamente em uma tela e os sujeitos devem responder se a próxima luz será verde ou vermelha).

Descobriu-se que as pessoas tendem a prever a próxima luz com base nas luzes que viram anteriormente, algo compreensível. O problema é que mesmo quando era dito às pessoas qual a probabilidade de ocorrência das luzes (80% de luzes verdes e 20% de luzes vermelhas) este padrão de tentar prever com base no que já foi visto se repetia. Em um jogo deste tipo, sabendo que a sequência é aleatória e que existe 80% de chance de uma luz verde piscar, a decisão mais coerente seria prever que todas as luzes serão verdes (uma taxa de acerto de 80%). Porém as pessoas insistem em tentar adivinhar a próxima cor, obtendo uma taxa de acerto média de 68%.

Até aqui tudo muito parecido com os estudos de Kahneman e Tversky. No entanto, após a aplicação os pesquisadores realizaram o escaneamento simultâneo do cérebro (ressonância magnética funcional) e descobriram que existe uma região especifica no lado esquerdo do cérebro que é responsável pela busca de padrões e relações de causa e efeito. De acordo com os psicólogos bastam duas sequências de um mesmo evento (Ex: dois dias seguidos de alta de uma ação ou dois trimestres de crescimento nos lucros) para que esta região seja inconscientemente e automaticamente ativada.

Não é possível controlar este processo mental, porém quando se trata de uma decisão complexa é possível tomar atitudes para evitar o erro. Uma boa alternativa para não ser “pego” por este processo mental é sempre buscar evidências para as decisões. No mercado de capitais o questionamento pode ser um grande aliado para que não sejamos capturados por uma perspectiva pouco fundamentada. Por que você espera que aconteça isso com esta empresa? Ou quais eventos poderiam aumentar a probabilidade de um determinado desfecho?


Referências:
Gazzaniga, M. S. The Split Brain Revisited. Scientific American: 50-55 p. 1998.
Kahneman, D. e A. Tversky. Psychology of Prediction. Psychological Review, v.80, n.4, p.237-251. 1973.
Smelser, N. J. e P. B. Baltes. Subjective Probability Judgments. International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences: Elsevier Science: 15247-15251 p. 2004.
Tversky, A. e D. Kahneman. Judgment under Uncertainty – Heuristics and Biases. Science, v.185, n.4157, p.1124-1131. 1974.
Wolford, G., M. B. Miller, et al. The Left Hemisphere’s Role in Hypothesis Formation. The Journal of Neuroscience, v.20. 2000.
Zweig, J. Your Money & Your Brain. New York: Simon & Schuster. 2007. 340 p.


[1] Amos Tversky faleceu em 1996

2 respostas

  1. Texto sensacional. Esse texto entaõ explicaria a “irracionalida” do mercado? (Em aspas pois é muito aceito, na microeconomia principalmente, o pressuposto de que os agentes do econômicos são racionais.

    1. Olá Alan! Obrigado pela visita.
      Sim, pesquisas como as relatadas no artigo mostram evidências de que os agentes econômicos, em média, não são racionais. Mas o tema é bastante debatido na comunidade acadêmica.

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